Psicologia dos jogos: Representação da saúde (ou não) mental em jogos digitais.

Eu estava lendo alguns artigos sobre essa temática e me ocorreu que os retratos de doenças de ordem psicológica que aparecem frequentemente nos jogos, possuem um forte potencial de moldar atitudes culturais em relação à psicopatologia, para melhor ou para pior. Porém, uma pesquisa de fato sobre esses retratos é praticamente inexistente. As poucas pesquisas disponíveis, se concentram quase que exclusivamente em como personagens específicos se encaixam nos aspectos de transtornos mentais relatados no cinema e na televisão. As representações de doenças de ordem psicológica nos jogos são mais amplas que isso.

Contexto:

Desde 2014, houve um grande aumento na pesquisa de jogos e na cobertura da mídia, centrada na representação de diversas populações e experiências em jogos digitais. Essas discussões se concentraram na falta de personagens não-brancos, não-masculinos e em retratos estereotipados de gênero e raça. À medida que essa área de estudo continua se desenvolvendo, é importante expandir a pesquisa e a análise da representação para incluir grupos marginalizados menos visíveis, como pessoas com doenças mentais. Aproximadamente 24% dos videogames retratam personagens com problemas psicológicos (Shapiro & Rotter, 2016) e a presença de conteúdo relacionado como manicômios e camisas de força, ou termos pejorativos como “louco” e “psicopata” aumentam a frequência com que os jogadores entram em contato com representações disfuncionais e até ultrapassadas de um modelo de saúde mental. Comparado a outros grupos marginalizados, o retrato de pessoas com doenças de ordem psicológica é comum na sociedade, mas a pesquisa sobre o retrato de doenças de ordem psicológica em jogos digitais é praticamente inexistente, principalmente no Brasil.

Vamos pensar?
Como os jogos retratam pessoas com doenças mentais e conteúdo psicopatológico? Será que isto transmite uma sensação de seu valor cultural? Sim, nossos valores culturais seguem pistas da mídia que consumimos. Em um estudo de mais de 40 anos de pesquisa na mídia, descobriram de forma consistente que a mídia de massa é a fonte pública mais comum de informações sobre doenças de ordem psicológica e que os retratos da mídia sobre o assunto tendem a ser negativos, exagerados e imprecisos (ler mais aqui). A exposição a retratos negativos da mídia sobre doenças mentais tem sido associada a percepções negativas ou estereotipadas das psicopatologias entre pessoas sem doenças de ordem psicológica .

Os jogos digitais são um meio único, com recursos específicos que os diferenciam de outras formas de mídia (ler mais aqui).Portanto, devido à escassez de pesquisas disponíveis sobre o retrato de doenças de ordem psicológica em jogos, algumas estruturas de outras mídias servem como um local sólido para começar a criar uma estrutura para jogos, é o que a grande maioria dos desenvolvedores fazem. Por isso, um olhar cauteloso sobre doenças de ordem psicológica definidas na televisão ou no cinema é um ponto de partida natural para as primeiras representação nos jogos. No entanto, devemos ter em mente que essa é uma área quase universal de retratos negativos e estereotipados, o que é particularmente útil no incentivo de novas pesquisas para um olhar positivo e não cheio de esteriótipos.

Considerando as doenças de ordem psicológica comum em todo o mundo e a frequência com que aparece nos jogos, é complicado o desinteresse dos pesquisadores em se aprofundar na temática. Eu fiquei bastante triste com a falta de pesquisas sobre psicopatologia em jogos digitais, mas não fiquei impressionada, visto que no Brasil a própria Ciência Psicológica é vista com certo receio e estigma. Falando em estigma, ele é um fator importante que inibe os comportamentos de busca de ajuda .

Em uma pesquisa feita por Maier (2014), constatou-se que as representações da mídia sobre doenças mentais influenciam as percepções dos doentes mentais, dos profissionais de saúde mental e daqueles que procuram terapia, e eles descrevem com precisão a probabilidade das pessoas com uma doença mental se verem quebradas, defeituosas ou inaceitáveis ​.

E agora?
Como as doenças de ordem psicológica em jogos é retratada nos jogos reflete em nós, e em como a sociedade percebe essas pessoas. Mas como a cultura também recebe essa percepção vinda da mídia, os pontos ressaltados neste post, podem ser úteis para os desenvolvedores de jogos. Nós podemos olhar criticamente os retratos de saúde mental e proteger proativamente contra a troca enganosa destes retratos quando eles surgem em jogos. Podemos também, evitar a perpetuação de estereótipos prejudiciais. Isso é uma parte crucial da quebra do estigma da saúde mental. Para os pesquisadores, no futuro as pesquisas poderão documentar com precisão a prevalência de doenças mentais nos jogos e começar a se aprofundar em tipos específicos de representações e como elas podem impactar os pensamentos ou crenças dos jogadores sobre doenças de ordem psicológica e também, a buscar por ajuda e profissionais de saúde mental.



Maier, JA, Gentile, DA, Vogel, DL e Kaplan, SA (2014). A mídia influencia o auto-estigma de buscar serviços psicológicos: A importância dos retratos da mídia e da percepção das pessoas. Psychology of Popular Media Culture.Shapiro, S., & Rotter, M. (2016), Representações gráficas: Retratos de doenças mentais em videogames. Psiquiatria e Ciências do Comportamento.

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